Imagine o seguinte cenário: a mocinha virgem encontra o mocinho vadio e, pela primeira vez, sente uma pontada de desejo sexual e uma vontade louca quase incontrolável de fazer sexo animal. Quando ela finalmente consegue um meio de afogar o ganso do moço — que, geralmente, achava que ela era a bicicleta do universo —, ele invariavelmente fica surpreso por descobrir que ela era virgem.
Intocada.
Inocente — que, no mundo dos romances, é um substitutivo bonito para ignorante.
Claro que, como ele é um idiota, não demora muito para que a surpresa seja substituída por raiva. Sentimento de... Traição? Sim, porque aquele era o tipo de coisa que ela devia ter informado antes do sexo.
Como se “olá, vamos transar, mas fique sabendo que eu ainda sou virgem” fosse o tipo de coisa que a gente sai por aí berrando. Aliás, se fosse tão importante, por que o próprio não averiguaria se a mocinha era mesmo virgem?
Bem, é claro que o contrário pode acontecer e o homem se sentir uma espécie de touro reprodutor premiado e ficar todo coquete por ter sido o primeiro — e, se tiver sorte, o último. É como se a perda de uma membrana vaginal fosse o suficiente para marcar a mocinha como dele. Literalmente.
Ou então, a questão da virgindade é tão importante que a gente teria que ouvir conversas estúpidas tipo, “Se eu soubesse, teria feito as coisas diferentes.”
Diferente como, ó grande cara-pálida? Você teria levado o hímen para um jantar romântico? Camisinhas de camomila, para relaxar? Teria aparecido com uma conversa idiota como “Oi, amor, flores para seu hímen. Eu estava pensando que, já que vou destruí-lo em algumas horas, talvez eu devesse trazer uns chocolates e uma boa garrafa de vinho antes de introduzi-lo (!!!) na despedida deste mundo cruel...”.
Sem contar as coisas absurdas que acontecem durante o ato. Como assim, um salsichão cozido de quase meio metro entra “lá” pela primeira vez e não há dor, só um pouco de sangue e vários orgasmos múltiplos? Como um homem consegue encontrar o ponto-G da companheira assim, logo de cara? Será que existe algum tipo de placa de néon indicando o caminho? Vire à direita, vá direto, estacione?
E quando o mocinho se refere ao hímen como se fosse um filho? Tipo quando o “defloramento” da mocinha o leva a querer casar com ela porque é a coisa “correta” a se fazer, porque ele precisa proteger o hímen rompido? Porque, vamos encarar isso, nenhuma mocinha virgem conhece camisinhas ou anticoncepcionais, então é melhor evitar que a ela se torne a primeira futura esposa daquela família de orgulhosos gregos/espanhóis/italianos se torne a primeira casar... “Suja”.
“Oi, querida, como vai seu hímen hoje? Ainda inteiro?”
Certo, porque só virgens são boas pessoas. Tanto que só mocinhas virgens ficam vivas no final do filme de terror. É como se o hímen servisse para manter o corpo fechado... Literalmente.
Porque é importante que ela seja virgem
Inicialmente, se o livro for histórico, o mocinho precisa de algo que prove o quanto ele é intrépido — afinal, deflorar virgens na Idade Média era coisa de macho, né? Ou então, o mocinho, que sofria de alguma deficiência — causada em batalha, claro —, precisa de uma virgem para voltar a ser o homem poderoso que era antes, uma vez que sexo com uma virgem trazia sorte. Além do mais, naquela época ele não podia simplesmente pedir DNA e comprovar — ou não — a paternidade de um possível pimpolho.
Já se o livro for um Regencial, os costumas da época ditavam que a única coisa que a mulher possuía era a virgindade. Até as viúvas eram virgens! (não que isso queira dizer alguma coisa, porque tem muitas viúvas de contemporâneos também são)
E por quê? Porque, ora, o falecido marido da mocinha era a) gay; b) impotente; c) pedófilo; d) pedófilo gay; e) não teve “tempo” de consumar o casamento ou f) tudo junto.
Para completar o problema, a mocinha era a) uma virtuosa viúva-alegre; b) tinha um trauma sexual depois de ter sido (quase) violentada; c) sofreu abuso sexual; d) estava se guardando para o príncipe encantado; e) nunca se interessou por ninguém; f) se acha feia, indigna ou alguma coisa idiota assim ou g) tudo junto.
Como se pode perceber, nenhuma delas se mantinha virgem por se sentir confortável em não experimentar com a própria sexualidade, isto é, por vontade. Pelo menos eu suponho que, se uma pessoa tem vontade de transar, ela deve ter também de não transar.
Por fim, mas não menos importante: se a mocinha for mal-afamada por alguma razão — na maioria das vezes, porque a mãe dela era a vagabunda oficial da cidade, invejada por um séquito de velhas pudicas mal-comidas —, todos pensam mal dela. TODOS os homens da cidade já “comeram” e gostam de relatar as histórias das peripécias sexuais... Menos o mocinho.
E claro, o despeito o faz agir de maneira errônea, exagerada, que causa dores para a mocinha que acredita piamente em agüentar humilhações e engolir todos os sapos que a vida lhe oferece. E quando finalmente ele percebe que ela era virgem, o que acontece? Um halo dourado se forma ao redor da cabeça dela, como se ela fosse uma mártir. Por quê? Porque só ela prestava. Porque só ela era especial, inteligente, boa, caridosa, meiga, gentil, amável, digna... Por causa de uma membrana, não por valores morais e éticos.
Enfim...
Para as mocinhas virgens, a primeira vez com o herói é como um presente. Elas lhe dão a honra de ser o primeiro, e se eles tiverem sorte, o único. E para eles, a primeira vez também é uma perda de virgindade, pois é quando eles cedem a virgindade do coração — já que nenhuma mulher presta, e todas as outras eram vadias desonestas que não mereciam consideração. Todos saem ganhando.
Não estou dizendo que prefiro uma mocinha vagabunda. O que estou dizendo é que a idéia que a maioria dos romances passa, de que apenas uma membrana vista apenas por um ginecologista, seja indicativa da dignidade e do valor de uma pessoa, é errada, discriminativa e preconceituosa. Pessoalmente, eu odeio quando o sexo parece planejado, como se o mocinho fosse um cachorro acostumado a levar todas as mulheres para a cama. Falta paixão, falta emoção. Também odeio quando é exagerado. Mas antes de tudo, detesto que uma coisa como inatividade sexual seja considerada uma maneira de tornar a mocinha uma santa, como se sangrar na hora H fosse um jeito melhor de julgar uma pessoa que as atitudes que ela exibe.
Até porque, se fossemos julgar as coisas neste sentido, por que nos atentarmos aos mocinhos que são realmente heróis?
Eles são homens — nenhum deles tem hímen. E a maioria é tida como libertinos e ainda se orgulha disso.
Então, qual livro com esse tema marcou? Obrigada a Rafa e a Mara pelas sugestões.
Oi Lidy!
Realmente essa mentalidade de dar tanta importância pra a virgindade das mocinhas (como se isso indicasse o caráter de alguém, como vc disse) não tá com nada, esse tipo de abordagem deveria ser extinta ou pelo menos minimizada, baita clichêzinho fora da realidade e arcáico (pra não dizer preconceituoso e falso moralista).
Concordo com tudo que você disse no post! Perfeito.
De nada, estamos aí pra isso rsrs. ;)
Bjs